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sexta-feira, 1 de maio de 2009

A cidade invisível


Nem todos os habitantes de F, principalmente os mais antigos, sabem que sua cidade é uma ilha. Isso acontece porque quem se afasta do centro, sempre é retido por amplas avenidas em que transitam milhares de automóveis sem parar um segundo, de cá pra lá e de lá pra cá. Ainda que fosse possível atravessar caminhando alguma dessas avenidas sem ser atropelado, não há muitas razões aparentes para isso, já que do outro lado, existem apenas gigantescas lojas que vendem carros, peças para carros e coisas afins. As lojas estão enfileiradas, coladas umas nas outras, todas de frente para a avenida e, segundo imaginam os que chegaram a F mais recentemente, de costas para o mar. Assim, quem quisesse se aventurar a chegar até o mar, teria basicamente três gigantescos obstáculos: atravessar em meio ao fluxo inexorável de veículos, encontrar uma passagem inexistente entre os prédios contíguos que se enfileiram por dezenas de quilômetros e a alternativa que resta, a mais acessível, que é por um dos cento e trinta canais que, costurando em meio aos bairros, acabam por desembocar no mar. Este é o mais feroz obstáculo, precisamente, por dois motivos. Primeiro, porque as casas e ruas vão espremendo os canais, de modo que, em pelo menos uma centena deles, apenas canoas de, no máximo, um metro de largura e dois de comprimento conseguem contornar as colunas e paredes fincadas em seus leitos; em alguns trechos, o próprio canal foi cimentado e as canoas não podem ir além. O segundo motivo é que, embora os outros canais sejam bem mais largos, ali se navega junto de todos os resíduos produzidos por todos os moradores de F. Suas águas são caudalosas e espumantes, seu cheiro fétido é sentido em todos os lugares da ilha, exceto nas lojas do lado de lá da avenida e, quem sabe, no interior dos automóveis.
Quem quer que chegue em F, seja pelo ar ou pelo mar, é surpreendido pela visão de imensas manchas escuras no desembocadouro dos canais, e pelo cheiro pouco aprazível que espelem. Mas, ainda assim, as pessoas não param de afluir a F, seduzidas pelas promessas de financiarem um apartamento com vistas para o mar. Consta também que ali se podem comprar carros pela metade do preço.

Um comentário:

  1. Os rios sempre foram determinantes para o florescimento de inúmeras culturas. Nilo, Ganges e Eufrates, para citar os mais conhecidos. Entre os latino-americanos, Sarmiento escreveu sobre a bacia do Rio da Prata e discorreu muito sobre o assunto nas páginas do Facundo. O descaso com que tratamos nossos rios hoje é monstruosa, paradigma de tempos onde os aviões e as auto-estradas suplantam em importância a lentidão das embarcações.
    Obrigado pelo comentário no meu blog. E não sei se interessa saber, mas logo mais quero publicar um texto da Emma Goldman que, a meu ver, muito tem a dizer sobre a micro-discussão lá iniciada.

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