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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Elza Soares e o acontecimento

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"Cadê o barulho? Eu quero ouvir barulho? Vocês têm que gritar, vocês têm que gritar." Isso dizia Elza Soares, como uma Rainha africana em seu trono sobre o palco da Virada, já desde o início, mas sempre repetindo, quase a cada intervalo entre as músicas, nas pausas de sua voz cantando, como se o barulho mesmo fosse o alimento de sua infinita melodia ou o germe de onde brotava a artista a cada vez.

E não saíam de mim aquelas frases lidas muito recentemente em Lógica do sentido: "O que torna a linguagem possível é o acontecimento, enquanto não se confunde nem com a proposição que o exprime, nem com o estado daquele que a pronuncia, nem com o estado de coisas designado pela proposição. E, de fato, tudo isso seria apenas barulho sem o acontecimento, e barulho indistinto". 
Sem o acontecimento, somente ruídos indistintos, é ele que separa, distingue, torna a palavra possível. "Mais barulho, mais alto", dizia Elza e a cada novo sopro sua Voz imensa ressoava esse instante indistinto onde todos os sons eram Um, imenso marulho universal, que torna possível a palavra, a melodia, o sentido, a diferença.
Obrigado Elza por produzir tal acontecimento contra todas essas mentiras reiteradas, e de cantar a vida sobre toda essa tentativa malograda de nos assujeitar.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Do pensamento do fora

Artigo publicado na Revista Trágica: Estudos de Filosofia da Imanência
Rio de Janeiro, Volume 8, n.º 3, 3.º quadrimestre de 2015.

Do pensamento do fora: heterogêneses

Por Sandro Kobol Fornazari

Trecho inicial

“Quanto menos as pessoas levarem a sério o pensamento, tanto mais pensarão conforme o que quer um Estado”. Essa afirmação incisiva de Deleuze e de Guattari põe em relevo um das principais problemas que os autores de Mil platôs constroem quando se trata de discutir a relação entre o Estado, enquanto centralização máxima do poder, e o pensamento em sua dupla possibilidade: ou ele é de acordo com o modelo fixado pelo aparelho de Estado ou ele é sem modelo e sem fixidez, antes ele desfaz os modelos e as formas fixas, ele é fugidio, insinuante, desconcertante. Assim, por um lado, há um pensamento conformista, não no sentido de que haja conteúdos do pensamento (crenças e ideias) que sirvam como um véu para ocultar a realidade, fazendo com que se aja e se pense de maneira a legitimar um dado poder, mas no sentido de que a própria forma do pensamento é constituída de acordo com a forma desse aparelho de poder. Em outras palavras, não se trata de ideologia, mas do modo como os princípios que operam na fixação da soberania do Estado dilatam-se no pensamento. É isso o que os filósofos nomeiam como forma-Estado do pensamento. Ela possui duas cabeças: um “imperium do pensar verdadeiro” como fundação e uma “república dos espíritos livres” como fundamento. Grosso modo, a fundação diz respeito ao mito que opera o liame ou a apreensão daqueles que se submetem à soberania e o fundamento diz respeito ao logos que organiza juridicamente um pacto ou um contrato. No entanto, por outro lado, como dizíamos, há um pensamento que escapa a esse espraiamento das engrenagens do poder, que é destruidor dos modelos e das formas, um pensamento enquanto máquina de guerra que se subtrai à soberania, que é antes uma tribo nômade, isto é, o contrário do aparelho de Estado. Esse contrapensamento, Deleuze e Guattari, no “Tratado de nomadologia” vão chamar de “pensamento do fora”. Eles dizem que fazer do pensamento uma máquina de guerra significa colocá-lo numa relação imediata com o fora, com as forças do fora. Nesse ponto da elaboração, os autores referem-se a um ensaio de Foucault que se chama exatamente “O pensamento do fora” e que tem como mote principal um comentário sobre a obra de Blanchot.
O que se propõe neste artigo é analisar algumas das articulações conceituais em torno do pensamento do fora em Deleuze, em contraponto à forma-Estado, que implica a imagem dogmática do pensamento, à luz das formulações foucaultianas sobre o pensamento do fora. Para atingir tal intento, buscar-se-á destacar a presença do texto literário de Mallarmé nas indagações de Foucault, mediada, por sua vez, pelos comentários de Blanchot sobre o poeta. Enfim, não se trata de procurar estabelecer filiações e influências, mas de apresentar um campo de problematização que será apropriado criativamente por Deleuze e por Guattari.