Deixo Nietzsche andar sem camisa, o vento sacudindo seu cabelo e seu bigode, que imagem engraçada, que lirismo descoberto: um Nietzsche brasileiro teria sido ainda mais Dionísio. O suor já começa a cobrir-lhe as faces e o peito e as costas. Seus pensamentos já saem mais pegajosos. Eles visam o horizonte, mas respingam por seu corpo; tornam-se trôpegos como seus passos na areia fofa. Mas Nietzsche corre parecendo querer impulsionar suas ideias e eis que ganha asa com elas. Ou será o calor do que afirma que as fazem sobrevoar as dunas com sua vegetação rasteira, sempre menos alto, mais robusto, mais torto.
Ele pára, sua respiração já não lhe pertence, é outro pulmão que se infla a poucos centímetros de seu peito (quisera Deleuze ter esse delírio e acercar-se dos trópicos como um novo pulmão). Tem vida própria seu nariz, sua garganta. O sopro de Deus em suas narinas é o vento nordeste, que traz as águas mais geladas. Busca apenas o ar, um instante de eternidade, seu pensamento é agora oxigênio, apenas para servir ao sangue e expelir água pelos poros para aliviar o calor e realimentar o vai-e-vem descuidado das ondas.
Um instante e seu corpo se faz ar, venta, realimentando toda a atmosfera, a eternosfera de onde um dia ele pôde retornar: uma vida.
Florianópolis, 20/6/2006